segunda-feira, 25 de março de 2013

Passarela da nossa história

            Fazendo um trajeto cesariano pelas ruas de Belém, as paisagens e estruturas do patrimônio arquitetônico aguçam e despertam os sentidos para uma tapeçaria de cenas memorialísticas que do forte do presépio até o velho Camões abrem uma fresta na sua luneta de uma lente só, como se quisesse tomar para si a nossa Feliz Lusitânia.
Santa Maria do Grão Pará, queria poder te cantar em crônica e numa odisséia elevar tuas paisagens vivas e rugosas. Da terra molhada nasceste. O cinza das nuvens reluz a chuva da tarde a embalar as ruas do teu povo ribeirinho. Caro leitor, fotografei as ruas desse chão tupinambá e digo que da Baia do Guajará ao horizonte nublado, tudo remonta um momento áureo e buliçoso da nossa história.
Encontrei uma professora admirando a sacada da sua antiga casa que reluz azulejos de esplendoroso estilo português. Nem tudo é esplendoroso, leitor. Ela busca na memória cenas sinistras de crianças aprisionadas no porão. Castigo para educar. Veja você! Caminhando pelas ruas estreitas ela vai narrando, aos alunos pesquisadores, o tempo passado registrado no presente cinematográfico da antiga Santa Maria de Belém do Grão Pará.
Registro a galeria de imagens que se apresentam no visor da câmera em movimento. Como turista aprendiz vou significando a paisagem em cada clique, e os detalhes magistrais da monumental igreja do Carmo, Santo Alexandre, Catedral da Sé - marcadas minuciosamente pela arte clássica do século XVII e XVIII - revelam o poder religioso instituído na grandiosidade das torres e do sino que assevera e legitima Belém. Belém. Belém.
Na Praça do Carmo, surgem ruídos vindos de folhas secas, como um tapete a enfeitar o chão da atual Cidade das Mangueiras. No alto, os galhos esgarçados e o corpo lanhado pelo tempo anunciam o cansaço daquela que serve de teto para umedecer a temperatura dos paraenses.
Registro o centro comercial monótono, palácios abandonados, paredes desbotadas, um céu cinzento a pincelar a combinação das cores. Sinto o cheiro do mar, do peixe e me deparo com um porto onde pescadores tiram desse ofício sua sobrevivência. Entro numa viela e vejo nos muros uma cidade artificial construída por artistas pintores que ao se utilizarem de janelas e portas de casebres abandonados e sem cor, registram sua arte anônima grafitando malocas, açaizeiros, barcos ao mar e o nosso grandioso caboclo ribeirinho.
Entre os galhos históricos vejo uma estátua com a mão estendida para a Catedral da Sé como se pudesse visualizar dali a original Senhora de Nazaré. Pareceu-me tão simbólico que registrei um mendigo a pedir com o olhar. Sentei-me. Não mais que meia hora, um grito. Lá vem o ladrão! Não me assusto, fico apenas a espreitá-lo para não ser surpreendida. Mais ao longe um homem solitário de túnica marrom se aproxima, num clique registro-o entrando no comécio. Pelo perfil, um padre franciscano sem a força dos jesuítas. Esta Cidade Morena esbanja a magnitude da diferença. De Norte a Sul, passado e presente se intercruzam na história.
O centro de Belém é uma passarela memorialística da nossa história. Em minhas andanças muitas imagens se perderam das associações. Não consegui significar todas as paisagens. Uma aquarela repleta de significados do barroco ao clássico e moderno, do religioso ao profano, do passado ao presente, da memória à arte de significar a vida. Mas nem tudo é revelado a olhos tão contemporâneos.
Os tempos se encontram na Cidade Velha por meio das sobreposições imagéticas. Uma apoteose de construções exuberantes revelam a riqueza artística de um período. Do espetáculo ecoa a arquitetura de Antonio Landi. Os detalhes da sacada vislumbram uma Europa distante. Tudo remonta o tempo em que Belém era a menina dos olhos do mundo. A Paris do norte da Amazônia. A borracha que não apagou a nossa história. Mas esta é apenas uma pequena parte no cenário da memória.