quinta-feira, 21 de abril de 2011

Semana Santa!

Palhinha do açaizeiro
abençoada pela água benta
secada no telhado
para proteger do mau olhado.

Comprar peixe pra comer
sangue de carne não pode haver
subir na árvore nem pensar
porque uma queda podes levar.


Coco seco derrubado
ralado e adoçado
jacuba e milho amassar
para fazer bolo fubá.

Passarinho faz silêncio
são três horas da agonia
a natureza se compadece
do criador que esfalece.


Tomar banho e se arrumar
toda a família visitar
tomar benção e rezar
para os pecados perdoar.

Orar e jejuar
tomar banho nem pensar
a água é santa não podes sujar
se não peixe podes virar.


Vigiar a madrugada
nosso senhor vai voltar
a humanidade resgatar
vida nova vai nos dá.

É páscoa, Jesus ressuscitou
alegremos no senhor
tudo que ele faz é por amor
bombom de chocolate, por favor!

domingo, 3 de abril de 2011

Peripécias do tempo.

          Às vezes fico observando meus pais. Lembro-me da minha infância, do tempo que passou tão rápido e da grande responsabilidade em minhas mãos! Desde que me entendi por gente já os conheci idosos (não se assuste, sou a 13ª filha, a caçula, o ponto final rsrsrs), mas numa situação diferente de hoje. Eu era Filha e eles meus Pais - não há redundância, já explico -, eram meus pais não só no sentido de terem me dado a vida, mas pelas ordens, pelas regras a cumprir, pelas roupas escolhidas pela minha mãe para que eu vestisse aos domingos quando íamos à missa, pela rotina de ajudar nos afazeres da casa, do compromisso de ir para a escola e se falhássemos ai, ai, ai, cinturão na certa. Meus pais possuem apenas o letramento da vida, minha mãe chegou a se encantar e a compreender alguns rabiscos que a possibilitaram um dia escrever sua “convenção nominal” e posso afirmar que eles são minha primeira Faculdade. Naquela época meu mundo girava de acordo com a vontade deles. Eu era filha de meus pais.
          Hoje meu pai tem 77 anos, minha mãe 75 e a cada mês, para ser exato, percebo o quão rápido vão se instalando as limitações. Como o tempo passa rápido, talvez não consigamos conceituá-lo, no entanto, cada um de nós sofre sua ação. Para alguns há o discurso: que bom que o tempo passa rápido; para outros: que pena o tempo passou e eu nem me dei conta. O fato é que, assim como há um tempo para um bebê nascer, há um tempo para as estações do ano, um para as árvores e flores brotarem, outro para o fruto amadurecer. Há o tempo de curar o coração, há o da física, da memória, da narrativa, da ficção, da lingüística e há o tempo, o mais perversos dos tempos, o de perder amigos. Meus pais chegaram a esse tempo e como filha sempre presente percebo a dor que se instala com a “partida” dos companheiros de uma vida.
"O tempo é que me deu amigos
e esse amor que não me sai
que doura os campos de trigo
e os cabelos de meu pai
faz rebentar paixões
depois se nega às criações
e assim mantém
a vida
(Que acontecrá aos corações
se o tempo não passar?)"
           O tempo que rouba a vida dos amigos dos meus pais é muito angustiante, percebo o sofrimento e escuto a frase: "agora só tem fulano, sicrano, beltrano, quem será que vai primeiro nós ou eles, né minha velha?" Conheço esses amigos e digo que apenas os dedos da mão direita dão para contar os que ainda restam e não pretendo apostar para ver quem vai primeiro, porque serei sempre injusta com os outros e leal aos meus sentimentos de filha.
           O tempo se instalou definitivamente em seus cabelos e em sua memória. As vezes me pego fazendo exercício com a memória deles e descubro que por alguns instantes esquecem o nome dos filhos (os que menos os visitam), confundem outros. Por curto período, devido a ausência de minha mãe que se tratava de uma tuberculose, fui criada pela minha irmã Izeneide, meu nome é Auricélia, mas as vezes me chamam de Izeneide e gaguejam muito, quando percebem o erro, para completar o nome: a Ize...a Izene...a Au... a Auricélia. Parece alógico confundir nomes tão diferentes, mas o tempo não se importa com a lógica, muito menos com a não semelhança, ele é múltiplo, possui várias cores em seu acontecimento. O tempo...? Ele pode tudo.
           As vezes tento conciliá-los quando os vejo discutindo, um dizendo que tal fato aconteceu de um jeito e o outro (sempre o meu pai) dizendo que não, que foi de outro jeito, em outro lugar ou um outro nome. Nesses instantes vejo o quanto os papéis mudaram. São meus pais, nunca deixarão de ser, mas hoje sou eu que dou conselhos para não fazerem certas coisas porque podem se machucar, para não se molharem na chuva por causa do perigo de uma pneumonia, para não serem tão teimosos, para não se esquecerem do remédio da pressão (de propósito rsrsrsrs), que três garrafas de café ao dia faz mal, quando se diminui o café a mãezinha faz cara feia e fica emburrada, parece minha sobrinha Aline de três anos. Não sei quem disse que um dia fomos crianças e na velhice, se tivermos a sorte de chegar até lá, voltaremos ser crianças. Hoje concordo plenamente com esse observador da melhor idade a qual meus pais se encontram.
           O mais gostoso é na hora do almoço, não por causa da comida, isso também é claro rs, mas pelo relato dos sonhos de meu pai. Minha mãe se queixa que não sonha com nada, mas papai toda noite vive uma aventura! Sempre com a profissão de pescador e sempre com os amigos que já partiram. Todos os sonhos ambientados na praia do Araruna em Soure, no Marajó, que foi durante toda sua vida de pescador o porto seguro para consegui a alimentação da nossa realmente Grande Família. Algumas noites ele pega muitas tainhas com a ajuda de seus companheiros, outras o barco se alaga, outras ele sai e volta pra casa sem ter conseguido nada, outras mamãe brigando pra ele não levar os meninos ainda criança pra pesca porque ele ainda vai matar um deles de frio, noutras sonha sendo ferrado de arraia, noutras ele tangendo as cabras nas areias da praia, outras tendo que sair da praia porque o mar invadiu tudo:  
"Feito essas águas que subindo
forçaram a gente a se mudar
que pode acontecer, meu lindo
se o tempo não passar?"
          Enfim, tudo o que ele viveu, o tempo se autoriza de soprar na lembrança do sonho a possibilidade de rever os velhos amigos. O tempo se faz em sua completude e a memória às vezes não, as vezes sim abre uma fresta para a lembrança, mesmo que essa lembrança esteja camuflada de sonho. É a memória se permitindo caminhar num cruzamento freudiano, uma vez que ela não pode ser vivida, apenas descontinuada.
          Posso dizer que tem sido um grande aprendizado está do lado deles acompanhando esse momento que espero um dia poder chegar, e ter meus filhos também para me observar e poderem entender a vida se fazendo na sua segunda edição com a reprise da primeira, através das peripécias do tempo...  
"Não mato o meu amor, no fundo,
porque tenho amizade nele
que já faz parte do meu mundo
do tempo entre eu e ele."
                                      Música: Tempodestino (Nilson Chaves)

sábado, 2 de abril de 2011

O embalar do mito.

          Era manhã bonita, quando ela parou para ver eles brincando na praia. O diacho é que ela estava nas regras e não podia, não podia olhar eles brincando nesses dias não. De noitinha, quando meu pai foi pescar, ela ficou em casa com meus dois irmãzinhos primeiros. Logo depois sentiu alguém subindo o degrau, colocar a mão pela brecha da palha da porta e entrar.
          Minha mãe sentiu como se tivessem levantado ela, tudo cresceu, ficou arrepiada e meu irmãozinho mamava. Quando criou coragem olhou para o punho da rede e viu o homem todo de branco, com o chapéu tampando um lado do rosto, olhando pra ela. Ele era parecido com meu pai. Não demorou, logo foi embora. Pela manhã a vizinhança procurava os rastros do homem para descobrir quem era o cabra, mas nada encontraram. Quem descobriu foi a senhora da mesa branca, que fazendo um passe o cabra baixou: "branca tu tiveste muita sorte, o que te valeu foi os teus curumim".
          O Araruna todo comentou o acontecido. Minha mãe me contava muitas estórias quando me embalava, mas essa não era estória, era verdade, e a luz do lampião com sua penumbra dava ao mistério a realidade. Eu me lembro das estórias dela. Mas o boto, esse eu nunca vi.